(11) Meu amor me ensinou a ser simples Como um largo de igreja Onde não há nem um sino Nem um lápis Nem uma sensualidade
A seqüência lingüística acima exige muita cooperação por parte do receptor para que ela seja vista como um texto. Embora haja uma clara unidade de sentido entre “amor” e “sensualidade”, entre “igreja” e “sino”, é difícil extrair um sentido unitário para idéias tão desconexas quanto “amor”, “largo de igreja” e “lápis”. Quando descobrimos que essa seqüência é um poema intitulado Ditirambo, produzido pelo famoso poeta modernista brasileiro Oswald de Andrade, a atitude do receptor em relação ao texto, isto é, a sua aceitação, pode mudar. Isso porque sabemos que faz parte do gênero poético modernista deixar os sentidos implícitos, usando menos recursos coesivos e deixando partes essenciais do sentido do texto para o leitor construir por si só, por meio de inferências. Os leitores que gostam de poesia modernista sabem dessa sua “difícil tarefa”, de ter que penetrar em sentidos do texto que não foram explicitados pelo autor. Por isso, esses leitores aceitam a poesia moderna com prazer. Outras pessoas que não gostam de poesia moderna podem descartar essas poesias como se elas não tivessem nada para comunicar – como se não fossem textos. Essa reflexão mostra que a discussão sobre uma seqüência ser ou não um texto pode ser altamente subjetiva em alguns casos.
Inferência é um processo cognitivo que fazemos diariamente. Nesse processo, duas coisas que não têm relação explícita são relacionadas cognitivamente por intermédio do nosso conhecimento de mundo. No exemplo do texto, nosso conhecimento de mundo diz que, quando um bebê chora, é comum que a sua própria mãe o pegue no colo, pois cada mãe é a principal responsável por seu bebê. Nós usamos, então, esse conhecimento de mundo para relacionar a mãe ao bebê, mesmo que no texto esses dois elementos não estejam explicitamente relacionados.
Há vários tipos de inferência, como por exemplo: a) partes do todo: Ontem eu comprei um carro, mas ele está caindo aos pedaços. O pneu está toda careca. O volante é duro e gira com dificuldade. O espelhinho está quebrado. Os bancos estão furados. (Nessa inferência, sabemos que o pneu, o volante, o espelhinho e os bancos pertencem ao carro comprado); b) capacitação: Ele largou o carro aberto na rua e alguém roubou (nessa inferência, sabemos que deixar o carro aberto possibilitou que um ladrão o roubasse); c) propósito: João foi na farmácia para ver se melhorava da gripe (nessa inferência, sabemos que a farmácia é um lugar que oferece remédios para as pessoas melhorarem de suas doenças).