Mas a intenção do produtor do texto não é suficiente para que a comunicação seja bem sucedida. É necessário também que o receptor do texto esteja aberto para aceitar uma dada seqüência lingüística como tendo alguma coisa para comunicar. Se o usuário que recebe um texto não tiver uma atitude de aceitação, será muito difícil a comunicação ser estabelecida.
O papel do fator aceitação na recepção de textos foi muito bem explicado pelo filósofo Paul Grice. Ele afirmou que, na comunicação humana, existe o chamado princípio da cooperação. Esse princípio diz que, quando um usuário recebe um texto, ele precisa ser cooperativo com o produtor do texto para que a comunicação seja bem sucedida. Você se lembra do exemplo em 1.5: “O bebê chorou. A mãe pegou-o no colo”? Imagine se o usuário que recebesse esse texto não fosse cooperativo, isto é, se o receptor não tivesse uma atitude de aceitação. Quantos problemas de comunicação poderiam surgir?
Uma pessoa que não fosse cooperativa poderia começar uma série de questionamentos, como por exemplo: “A mãe de quem pegou o bebê? Por que motivo ela pegou o bebê no colo? Ela pegou o bebê no colo logo depois que ele começou a chorar?” Como nós sabemos que a comunicação funciona pelo princípio da cooperação, se uma pessoa fizer todos esses questionamentos, nós vamos achar muito estranho. Podemos pensar que a pessoa tem um atraso cognitivo e não consegue fazer as inferências necessárias. Ou podemos pensar que a pessoa não é normal e tem algum distúrbio mental. Ou podemos pensar que ela está nos provocando. Podemos concluir muitas coisas! Mas todas essas conclusões só são possíveis porque sabemos que a comunicação funciona pelo princípio da cooperação.
Inferência é um processo cognitivo que fazemos diariamente. Nesse processo, duas coisas que não têm relação explícita são relacionadas cognitivamente por intermédio do nosso conhecimento de mundo. No exemplo do texto, nosso conhecimento de mundo diz que, quando um bebê chora, é comum que a sua própria mãe o pegue no colo, pois cada mãe é a principal responsável por seu bebê. Nós usamos, então, esse conhecimento de mundo para relacionar a mãe ao bebê, mesmo que no texto esses dois elementos não estejam explicitamente relacionados.
Há vários tipos de inferência, como por exemplo: a) partes do todo: Ontem eu comprei um carro, mas ele está caindo aos pedaços. O pneu está toda careca. O volante é duro e gira com dificuldade. O espelhinho está quebrado. Os bancos estão furados. (Nessa inferência, sabemos que o pneu, o volante, o espelhinho e os bancos pertencem ao carro comprado); b) capacitação: Ele largou o carro aberto na rua e alguém roubou (nessa inferência, sabemos que deixar o carro aberto possibilitou que um ladrão o roubasse); c) propósito: João foi na farmácia para ver se melhorava da gripe (nessa inferência, sabemos que a farmácia é um lugar que oferece remédios para as pessoas melhorarem de suas doenças).