Com esse exemplo, vemos que a coesão não é o único fator textual que contribui para o entendimento de um texto. Em alguns casos, nós somos capazes de preencher muitas lacunas de sentido que não são dadas pelas palavras, expressões e frases. Para preencher essas lacunas, nós utilizamos todo o nosso conhecimento de mundo sobre conceitos e relações, com o objetivo de extrair do texto um sentido unitário/global. No exemplo (8), relacionar a mãe como sendo a mãe do bebê que chorou; e também o evento de pegar o bebê no colo como sendo relacionado causal e temporalmente ao choro do bebê permitem a construção desse sentido único e global do texto. Quando um texto apresenta um sentido unitário e global, ele será considerado coerente.
Aqui já começa a ficar claro que os fatores que afetam a produção e recepção de textos não são apenas fatores ligados ao texto em si , isto é, à sua forma. No caso da coerência, o fator decisivo é o conhecimento de mundo dos usuários do texto e os processos cognitivos de inferência que esses usuários são capazes de fazer.
Inferência é um processo cognitivo que fazemos diariamente. Nesse processo, duas coisas que não têm relação explícita são relacionadas cognitivamente por intermédio do nosso conhecimento de mundo. No exemplo do texto, nosso conhecimento de mundo diz que, quando um bebê chora, é comum que a sua própria mãe o pegue no colo, pois cada mãe é a principal responsável por seu bebê. Nós usamos, então, esse conhecimento de mundo para relacionar a mãe ao bebê, mesmo que no texto esses dois elementos não estejam explicitamente relacionados.
Há vários tipos de inferência, como por exemplo: a) partes do todo: Ontem eu comprei um carro, mas ele está caindo aos pedaços. O pneu está toda careca. O volante é duro e gira com dificuldade. O espelhinho está quebrado. Os bancos estão furados. (Nessa inferência, sabemos que o pneu, o volante, o espelhinho e os bancos pertencem ao carro comprado); b) capacitação: Ele largou o carro aberto na rua e alguém roubou (nessa inferência, sabemos que deixar o carro aberto possibilitou que um ladrão o roubasse); c) propósito: João foi na farmácia para ver se melhorava da gripe (nessa inferência, sabemos que a farmácia é um lugar que oferece remédios para as pessoas melhorarem de suas doenças).
Apesar disso, alguns gêneros textuais se especializam para a realização de determinados objetivos ou funções sociais. Por exemplo, um artigo acadêmico tem o objetivo específico de debater uma idéia científica e persuadir o seu leitor dessa idéia. Se o produtor de um texto tiver outro objetivo em mente, como o de fortalecer laços sociais, ele deverá encontrar um outro gênero textual que tenha abertura ou que seja específico para esse propósito