A análise do sociólogo Harvey Sacks sobre histórias de criança serve como ótimo exemplo para entendermos melhor esse conceito de coerência: (8) O bebê chorou. A mãe pegou-o no colo.
Essa seqüência não traz qualquer problema de compreensão para uma pessoa que se depare com ela. Facilmente nós extraímos um sentido unitário para a seqüência. Apesar disso, é interessante perceber que esse sentido unitário não é dado pelo próprio texto, ou melhor, não é dado pela forma do texto.
Por exemplo, a primeira ligação que fazemos entre os conceitos do texto é entre “mãe” e “bebê”. Nós entendemos que a “mãe” que pega o “bebê” é “a mãe desse bebê” e não uma mãe qualquer de outro bebê. Veja que não foram os elementos coesivos do texto que nos permitiram fazer essa relação. Para que essa informação fosse fornecida pela forma do texto, algum elemento coesivo precisaria ser incluído na seqüência, como por exemplo: “O bebê chorou. Sua mãe pegou-o no colo” ou “O bebê chorou. A mãe dele pegou-o no colo”. Nesse caso, o elemento de coesão “sua” ou “dele” iria nos fazer associar a “mãe” diretamente com o “bebê” da frase anterior e poderíamos tornar explícito o fato de “a mãe” ser “a mãe do bebê que chorou”, e não uma mãe qualquer. Mesmo não havendo esse elemento de coesão, contudo, somos perfeitamente capazes de relacionar a “mãe” e o “bebê”, por causa de uma inferência que fazemos.
Inferência é um processo cognitivo que fazemos diariamente. Nesse processo, duas coisas que não têm relação explícita são relacionadas cognitivamente por intermédio do nosso conhecimento de mundo. No exemplo do texto, nosso conhecimento de mundo diz que, quando um bebê chora, é comum que a sua própria mãe o pegue no colo, pois cada mãe é a principal responsável por seu bebê. Nós usamos, então, esse conhecimento de mundo para relacionar a mãe ao bebê, mesmo que no texto esses dois elementos não estejam explicitamente relacionados.
Há vários tipos de inferência, como por exemplo: a) partes do todo: Ontem eu comprei um carro, mas ele está caindo aos pedaços. O pneu está toda careca. O volante é duro e gira com dificuldade. O espelhinho está quebrado. Os bancos estão furados. (Nessa inferência, sabemos que o pneu, o volante, o espelhinho e os bancos pertencem ao carro comprado); b) capacitação: Ele largou o carro aberto na rua e alguém roubou (nessa inferência, sabemos que deixar o carro aberto possibilitou que um ladrão o roubasse); c) propósito: João foi na farmácia para ver se melhorava da gripe (nessa inferência, sabemos que a farmácia é um lugar que oferece remédios para as pessoas melhorarem de suas doenças).