O domínio que temos da nossa língua materna tem sido tratado na teoria Gerativa de competência. <<COMENTÁRIO 11>> Para ilustrar o que estamos dizendo, consideremos agora os seguintes exemplos em (12) e (13):
(12) a. Maria saiu sem a bolsa b. * sem a Maria saiu a bolsa (13) a. Os meninos foram embora b. * meninos embora foram os
Observamos que as sentenças em (12b) e (13b) são agramaticais, pois não as reconhecemos como pertencentes à gramática da língua portuguesa, diferentemente do que acontece com as sentenças em (12a) e (13a), que são gramaticais. Dessa forma, podemos afirmar que o conhecimento que nos capacita distinguir as sentenças (a) das sentenças (b) está relacionado à competência dos falantes que sabem português. Por outro lado, as diferentes possibilidades de uso das sentenças em (12a) e (13a) relacionadas a diferentes contextos sócio-culturais fazem parte do que se conhece na literatura gerativa como performance ou desempenho.<<COMENTÁRIO 12>> Veja resumo da unidade 1 <<COMENTÁRIO 13>>
competência A competência para Teoria Gerativa é o conhecimento mental e inato que permite a aquisição da gramática de uma língua natural, assim como permite também o reconhecimento das estruturas geradas por essa gramática internalizada.
performance ou desempenho Vejamos um exemplo de desempenho. Pelo que foi dito acima, todos nós temos a mesma competência lingüística, ou seja, todos nós indistintamente somos capazes de avaliar as sentenças da nossa língua: se são gramaticais ou não; se fazem parte da gramática da nossa língua ou não. No entanto, observamos no dia-a-dia que algumas pessoas convencem, persuadem, emocionam melhor lingüisticamente do que outras. Você arriscaria uma hipótese para o que as diferencia então? O que faz com que algumas pessoas sejam mais habilidosas do que outras no uso concreto da língua, nesse sentido, faz parte do desempenho. Assim como algumas nascem mais habilidosas para nadar, outras nascem com habilidades manuais e outras são mais hábeis com o uso da palavra: seja convencendo, como é o caso dos publicitários talentosos; seja emocionando, como alguns poetas. Essa habilidade em parte também pode ser desenvolvida ao longo dos anos, seja na escola ou com o estímulo da família, de amigos etc., pela leitura e produção textual. Para ilustrar como essa habilidade no uso concreto da língua varia de pessoa para pessoa, diferenciando assim competência de desempenho, na proposta da teoria gerativa, tomemos emprestado um exemplo retirado de Negrão et al. (2002, p.114). Primeiramente, temos um bilhete escrito por alguém que perdeu o pai e, ao aproximar-se o dia de finados, faz um pedido a um amigo:
Como amanhã é dia de finados, eu queria pedir pra você ir ao cemitério visitar o meu pai. Eu gostaria que você pusesse umas flores no túmulo dele e que rezasse, não por ele, mas por mim que, por ter guardado na lembrança somente os momentos de amargura, me sinto tão morto quanto ele.
Leia agora o poema escrito por Manoel Bandeira sobre a mesma temática:
Poema de Finados Amanhã que é dia dos mortos Vai ao cemitério. Vai E procura entre as sepulturas A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas. Ajoelha e reze uma oração. Não pede pelo pai, mas pelo filho: O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida É a amargura do que sofri. Pois nada quero, nada espero. E em verdade estou morto ali. (Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: José Olympio/Instituto Nacional do Livro, 1970, p.128-129, apud Negrão et al., 2002, p. 114)
Parece ficar claro, a partir desses exemplos, que tanto o autor do bilhete quanto Manuel Bandeira produzem sentenças bem formadas, ou seja, ambos são competentes lingüisticamente. No entanto, existem diferenças no uso concreto da língua, não é mesmo? Essas diferenças dizem respeito ao desempenho, à performance dos autores.
Você pode estar pensando também nos casos de lapsos de memória, desvios de atenção, distrações, hesitações, que são tão comuns no uso da língua no dia-a-dia. Para ilustrar essa questão, tomemos emprestado mais um exemplo das autoras (Negrão et al., 2002, p.116):
Ontem eu conheci um cara, que é amigo do João, se lembra?, aquele João que estudou comigo no primário, que era filho de um homem importante, agora não me lembro dele, mas acho que ele era dono de um jornal ou de uma revista, ou talvez fosse um político, não sei mais, só sei que ele tinha um bigode de todo tamanho... Mas do que é mesmo que eu tava falando?
Nesse caso, temos um fragmento de fala e, por isso, também estamos falando do “uso concreto da língua” que diz respeito ao desempenho do falante.
Veja resumo da unidade 1 Em síntese, vimos, nesta unidade, que a Faculdade da Linguagem é uma capacidade humana inata que nos possibilita adquirir a gramática de uma língua natural. O estado inicial da Faculdade da Linguagem é o que chamamos Gramática Universal (GU). A GU é constituída de princípios (válidos para todas as línguas) e parâmetros (variáveis de uma língua para outra). De acordo com os estímulos externos a que somos expostos, a FL, que inicialmente é igual para todos os seres humanos, vai se modificando a partir da fixação dos parâmetros da(s) língua(s) que estamos adquirindo. Vimos também que os seres humanos nascem dotados de uma capacidade para a linguagem. Essa capacidade inata que temos para adquirir a gramática de uma língua a que formos expostos quando crianças é conhecida como competência. Já o uso concreto desse conhecimento, que varia de um indivíduo para outro, é o que define o desempenho ou performance.