Para iniciarmos o estudo das interligações entre linguagem e contexto, vamos observar a Figura 2.1. Você pode ver que essa figura contém cinco níveis, também chamados de estratos. Na Figura 2.1, a noção de sentidos, ou significacões, é representada pelo nível da semântica. Os outros níveis desse sistema complexo são os níveis da lexicogramática e da fonologia, ambos ‘abaixo’ do nível semântico, e os dois tipos de contexto – o nível do contexto da situação e o do contexto da cultura –, ambos ‘acima’ do nível da semântica. Como devemos fazer para relacionar sentidos e contextos? Primeiramente, devemos – de acordo com a LSF – ter em mente, ao analisar qualquer discurso, que a linguagem é um “sistema semiótico complexo que contém vários níveis ou estratos ” (Halliday & Matthiessen, 2004, p. 24). Quando analisamos um texto, bem como quando usamos a linguagem para qualquer fim, estamos interessados nas significações que podem ser criadas e/ou recriadas a partir dessa interação; ou seja, nosso interesse situa-se, sobremodo, no nível semântico. No próximo item 2.2, vamos em busca de maiores especificações relativas às maneiras como o contexto da situação e o contexto da cultura podem ter impacto na materialização das significações ou sentidos realizados no uso do discurso por meio de escolhas (conscientes ou não) lexicogramaticais. Como os termos sugerem, o contexto da situação se relaciona aos elementos contextuais mais imediatos que influenciam o uso da linguagem, enquanto que o contexto da cultura inclui aspectos contextuais mais abrangentes.
SISTEMA SEMIÓTICO Um sistema semiótico, como já observamos na Unidade anterior, quer dizer um conjunto de elementos sígnicos que nos permite criar e interpretar significados. Note-se que usamos os termos sentido, significações e significados como sinônimos.
NÍVEIS OU ESTRATOS Essa idéia de níveis ou estratos é sintetizada, na lingüística sistêmico-funcional, pela noção de estratificação, considerada fundamental para a Análise do Discurso. Por que fundamental? Porque o princípio da estratificação nos orienta a respeito de como relacionar os sentidos que produzimos – ao falar ou escrever e ao ouvir ou ler – às estruturas lingüísticas (linguagem) e aos processos sociais (contexto).
NÍVEL SEMÂNTICO Repetindo: o nível semântico relaciona-se à rede de possibilidades de sentidos, ou significacões. Conforme sugere a Figura 2.1, não podemos considerar o estrato semântico sem considerar, também, os níveis que estão logo ‘acima’ (o contexto da situação e da cultura) e os níveis que estão logo ‘abaixo’ (a lexicogramática e a fonologia) porque, ao fazermos uso da linguagem, utilizamos – conscientemente ou não – todos esses níveis simultaneamente. A interação ou interdependência entre esses níveis acontece da seguinte forma: os elementos de ordem semântica, isto é, o potencial das significações que podemos produzir - são realizados por meio de elementos lexicogramaticais, isto é, palavras e ou estruturas sintáticas. A lexicogramática, por sua vez, é realizada por – ou materializa-se em – elementos fonológicos, no caso da fala; grafológicos, no caso da escrita; ou espaço-visuais, no caso de LIBRAS. Além disso, as escolhas que fazemos no nível da lexicogramática e da fonologia/grafologia/LIBRAS – ao materializar nossas significações – dependem do contexto da situação e do contexto da cultura em que um determinado texto ocorre (MEURER, 2006, p. 167). Em razão do entendimento de que existe uma estreita interdependência entre os níveis, em especial os níveis de contexto, o nível semântico (que se ocupa dos sentidos que produzimos) e o nível da lexicogramática, podemos pensar nos significados e também no discurso como “uma construção, um fenômeno ou um processo que pode ser dimensionado”. Queremos dizer com pode ser dimensionado que o discurso pode ser investigado em relação aos diferentes níveis constantes na Figura 2.1, pois todos eles estão presentes todo o tempo, mesmo que não possamos descrevê-los simultaneamente. Assim, na medida em que examinamos os recursos semióticos que implementam os processos de significação, normalmente o fazemos focalizando determinados aspectos em detrimento de outros. É preciso, portanto, que nos conscientizemos de que, ao privilegiar certos aspectos em nossa análise, estamos negligenciando outros. De qualquer forma, a Análise do Discurso enfatiza a presença simultânea de todos esses estratos nos processos de construção de sentidos. O reconhecimento dessa simultaneidade, infelizmente, não tem acontecido em muitas práticas escolares relativas ao estudo da linguagem. Um dos problemas sérios, no que diz respeito ao estudo de textos na escola, tem sido a priorização do nível lexicogramatical desprovido de contexto (e.g., estudo de vocabulário e análise sintática basicamente), desconsiderando, assim, a interdependência entre os estratos, em especial, desconsiderando a forma como as significações se traduzem na lexicogramática (léxico e sintaxe) em diferentes contextos. Um outro problema tem sido o estudo de textos apenas em termos dos elementos que os constituem, como se o único objetivo da lingüística textual fosse o de descrever as partes que compõem um discurso. Voltando a aludir ao princípio de estratificação da linguagem, e, portanto, à sinergia e à simultaneidade da realização dos vários estratos envolvidos no uso do discurso, podemos dizer que o foco em exercícios lexicogramaticais descontextualizados na escola é um verdadeiro contra-senso.